25 de fevereiro de 2015

A viagem dos sonhos - Cap. 2

Duplamente complicado

Ilustração por Maíra Gonzales Mezzacappa

Jackie, a mãe de Rose Tyler, teve que se curvar um pouco para alcançar os cabelos da filha, que estava ajoelhada no chão de areia. O local era bastante agradável, apesar do nome. Partia seu coração vê-la naquele estado, mas seu coração de mãe dizia que seria melhor assim. Aquele rapaz, aquele Doutor, não era uma boa companhia para sua filha. Quem sabe finalmente ele cumpria sua promessa de garantir a segurança dela, deixando-a em paz.

Nem bem se completava esse pensamento, um som familiar fez com que todos olhassem para a mesma direção. Rose se levantou de um salto. Aquilo era impossível! Olhou rapidamente para sua mãe – tempo suficiente para notar seu olhar frustrado, para Mickey e para seu pai daquela dimensão, enquanto a cabine azul de polícia se tornava cada vez mais sólida. A porta se abriu e Rose correu. Era verdade, ele estava ali! Mas como?

Abraçou-o com força para se certificar de que era mesmo real. O corpo era sólido. Tinha um cheiro de metal queimado nas roupas, os cabelos mais desarrumados que o de costume, o sorriso cansado. Não parecia um segundo mais velho, mas seu olhar era de quem vivera muitas vidas, embora apenas alguns minutos tivessem se passado desde a despedida. O abraço foi longo, e quando Rose abriu os olhos não queria mais fechar – não queria se dar conta de que aquilo era um sonho, ou correr o risco de ele desaparecer de seus braços ao piscar.

Demorou para que ela notasse um vulto sorrindo doce e tristemente junto à porta da TARDIS. Uma mulher que ela nunca vira antes... Então ela compreendeu que, na relatividade do tempo, os poucos minutos que passara soluçando em Bad Wolf Bay haviam sido... quanto tempo? Quantos dias, ou meses, ou anos para o Doutor?

O diálogo que se seguiu foi absurdo, confuso, absolutamente insano. Não que Rose já não estivesse acostumada, mas dessa vez tinha sido um pouco mais absurdo, confuso e insano do que todas as outras. Como assim havia dois dele?

Rose olhou nos olhos de um e do outro repetidas vezes. Idênticos na forma. Mas havia algo... Um brilho nos olhos de um que era de fúria, uma sombra nos olhos de outro que era imperscrutável. E então, aquelas palavras, sussurradas em seu ouvido, palavras que abraçaram seu coração com um calor que ela deixara de sentir desde que a realidade os separara.

Palavras que ela não queria questionar se queriam dizer, naquele momento, exatamente o que significavam, embora em meio àquele turbilhão de emoções houvesse uma pontada de dúvida. Mas o valor daquelas palavras era mais forte. Rose puxou-o para perto e beijou-o. Sentiu o calor dos lábios dele nos seus, as mãos dele abraçando-a carinhosamente. Junto ao beijo, sentiu que chorava um choro silencioso. Era alívio, tristeza, alegria, solidão, amor, tudo ao mesmo tempo.

Nesse momento, de um lado, o Doutor olhou tristemente para a imagem que ele não deveria ver de fora, mas viver, deu meia volta, entrou na TARDIS com Donna Noble e partiu sem se despedir. Ele absolutamente detestava despedidas.

De outro lado, Mickey recebeu uma mensagem em seu telecomunicador de pulso. Não era, como costumava, uma chamada da UNIT. Era uma sucessão de palavras entrecortadas.

“Alô... ajuda... favor, venham... estão loucas... uma coisa... mar... Clara... ajuda!”

Em uma dobra do espaço-tempo muito, muito distante dali, mas de alguma forma presente, uma garota acabara de entrar no emaranhado temporal que restara após a morte do último Senhor do Tempo.

Numa outra realidade, Martha Jones assistia atônita na TV milhares de seres metálicos serem sugados para dentro de uma luz absurdamente brilhante no céu de Londres.

Em algum lugar nos confins do universo uma mão desligava um telefone – não era um telefone comum. O ser cuja mão colocara o telefone no gancho sabia exatamente o momento de ligar, aquele preciso momento em que o Doutor estaria instável e em que uma chamada importante estava acontecendo. Ele sabia que o Doutor teria que decidir. Sabia que ele pensaria que dois dias seriam suficientes. Sabia que dois dias não eram suficientes. Então, tudo estaria perfeitamente conforme o planejado. Ao lado do telefone que ele colocara sobre um balcão, uma imagem surgiu em uma tela de monitoramento. Parecia com um raio colocado na horizontal, com forma levemente curva. Brilhava, porém não era momentânea como um raio.

Rose não percebeu que, no momento daquele beijo, o mundo começava a ruir.

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